sexta-feira, 8 de abril de 2011

Filósofo e administrador


Pró-reitor de Administração, Daniel Barbosa,
recebe termo de posse das mãos de D. Washington

Por Jales Naves
Fotos: Arquivo pessoal e Dicom

Filósofo por formação e administrador por opção, duas atividades aparentemente distantes, o professor Daniel Rodrigues Barbosa é um exemplo de superação. Terceiro dos sete filhos de uma família muito pobre, pais nascidos e vividos no meio rural, ele enfrentou as mais diversas atividades para conquistar o seu espaço na sociedade. Servente de pedreiro, aos 15 anos, no trajeto para o trabalho, aproveitava o tempo em trânsito para ler, às vezes até de carona na carroceria do caminhão que transportava garis. Nessas ocasiões, ouvia de colegas: “não sei porque pobre estuda”, no entanto, não se acomodou nessa condição e partiu para a luta: estudou, formou-se numa universidade, o que já foi uma conquista enorme em seu meio, e aproveitou as oportunidades que a vida lhe ofereceu. Hoje, aos 50 anos, com uma situação profissional consolidada, sente-se recompensado, com a família que formou e o reconhecimento dos colegas ao seu trabalho. Ocupa, desde 2005, um dos mais importantes cargos de direção na Pontifícia Universidade Católica de Goiás, a Pró-Reitoria de Administração.

Nessa trajetória, ele fez de tudo um pouco. Criança, ajudou os pais em suas atividades no meio rural, colhendo feijão, cortando arroz e apanhando algodão; nessa época, no pequeno lugarejo em que morava, no interior de Goiás, narrava os jogos de futebol nos campos de várzea, um ‘hobby’ que, mais tarde, como comentarista na UCG TV, lhe daria projeção estadual. Em Goiânia, trabalhou como servente e pedreiro, pensou em se dedicar à área, mas o envolvimento com os movimentos sociais deu-lhe uma guinada na vida: quis seguir a carreira religiosa, mas optou por estudar Filosofia e pelo magistério. Militou na política, sonhando com o ideal de transformar o mundo com suas ideias, chegou a se candidatar a vereador em Goiânia, e acabou se revelando um grande gestor.

Nos projetos mais imediatos, além da conclusão do livro que conta a história da implantação da UCG TV e da publicação de sua dissertação de mestrado, está a realização de um torneio de xadrez em Goiânia, possivelmente na universidade, para se exercitar, pois se considera um excelente jogador, e não tem tido oportunidade de mostrar esse seu lado. É um hobby que se junta ao de jogar bola, comentar futebol, compor músicas, tocar violão e cantar com os amigos e irmãos.

Êxodo rural

Baiano de Correntina, Raul Chaves Barbosa, seu pai, atravessou a pé os Gerais correndo atrás dos catingueiros, numa luta constante pela sobrevivência, para se instalar em Maurilândia, no Sudoeste de Goiás, onde Daniel nasceu em 1960. Raul teve formação escolar básica e trabalhava nas lavouras, colhendo arroz, feijão e milho, com a ajuda dos filhos. Mineira de Uberlândia, Ovídia Rodrigues, sua mãe, também não teve oportunidade de estudar e ficou nas lides do lar, cuidando dos filhos – seis homens e uma mulher. Eles tiveram pequenas glebas de terras, mas principalmente cuidaram de lavouras nesse município e nos de Santa Helena de Goiás, Rio Verde e Paraúna, no povoado de Arantina, hoje município de Acreúna, divisa com Edéia. Nesse lugarejo, havia duas atrações no domingo: a missa e os jogos de futebol; as partidas, ele narrava e comentava, já aos 12/13 anos, com seus dois irmãos mais velhos, Jeová e Elias, em transmissão por alto-falante para toda a plateia presente em volta do campo. Pela idade, era aspirante e não participava do time principal. Ele estudou na escolinha local e ali fez o primário. O pai, antes da mudança para Goiânia, trabalhou como apontador (controlava o ponto dos cortadores de cana) na usina de açúcar de Santa Helena, que se chamava Usina Central Sulgoiana.

Além de jogar futebol, aos 13 anos, Daniel também já narrava
partidas no povoado de Arantina, hoje município de Acreúna

Fruto do êxodo rural que se verificou em Goiás a partir dos anos 1970, como consequencia do processo de modernização da agricultura, com a implantação das grandes lavouras de soja e a expulsão dos pequenos lavradores, em 1975 a família se mudou para Goiânia. A preocupação dos pais era de oferecer estudos aos filhos, para que pudessem ter melhores oportunidades de trabalho e de vida.

Primeiras atividades

O pedreiro Daniel Barbosa
Com 15 anos, Daniel consegue seu primeiro emprego: servente de pedreiro, na construtora Encol, na época uma das maiores, função na qual fica seis meses; aprendiz, fez um curso, pela empresa, no Senac, e passa a pedreiro, como assentador de azulejo. Ficou quatro anos na atividade, quando animava os momentos de entrega das obras cantando suas músicas e tocando violão, ao lado dos irmãos Elias e David, um hobby que mantém até hoje. Ao mesmo tempo, concluiu o ensino fundamental, no Colégio Claretiano Coração de Maria. Nessa época, busca alternativas de emprego, faz dois concursos e é aprovado em ambos, mas como o então Dentel demora a convocar, opta pela Prefeitura de Goiânia, onde ingressa em 1979, como agente administrativo. Ao mesmo tempo, fez o curso de Edificações, na Escola Técnica Federal de Goiás.

Em 1976, morando na periferia da Capital, na Vila Concórdia e depois Vila Pedroso, começa a participar de grupos de jovens e vocacionais da Paróquia Nossa Senhora das Dores, de cursos bíblicos e encontros pastorais. Entra no grupo Juventude em Busca de Cristo (JBC), para trabalhar com jovens na região, criando a Liga Esportiva, que promovia torneios de futebol, e a Associação dos Moradores, para fortalecer as ações coletivas nessa comunidade. O JBC, formado atualmente por ex-vocacionados, ex-padres e ex-freiras, ainda hoje se reúne, uma vez por ano, para uma confraternização.

Nessa época conhece, no grupo de jovens, a goianiense Maria José Rosa, com quem convive como colega e parceiro de grupo, trocam confidências e aprofundam uma amizade que dá suporte à opção vocacional dos dois de seguirem a vida religiosa. Era o ano de 1976: ele escreve peças para o teatro e as dirige e ela integra o elenco. Juntos, participam do trabalho pastoral, de discussões e reflexões sobre religião e trabalho comunitário, influenciados pela Teologia da Libertação, que pregava a militância religiosa com a ação política.

Em 1978, ela ingressa como aspirante à vida consagrada no Convento Mãe Dolorosa. Anos mais tarde, em 1983, ele conclui o curso de Edificações na ETFG, ingressa no Seminário Santa Cruz, faz um ano, e vai para o Seminário Franciscano dos Capuchinhos do Setor Pedro Ludovico, onde fica um ano e meio. Nessa mesma época, ela termina o postulantado no Convento das Irmãs Franciscanas Mãe Dolorosa e ingressa no noviciado, última fase de preparação para o ingresso à vida religiosa. Em julho de 1984, os dois têm nova convivência, quando ele é chamado a escrever a história da fundadora da congregação, Madre Francisca Streitel. Fazem o trabalho em conjunto, ela traduzindo os textos do italiano; o livreto se intitulou “Uma vida entre ação e contemplação”. Tal temática refletia o momento histórico porque passavam, mas, também, o conflito vocacional entre a opção ao recolhimento, à oração, e à militância social e política. No período em que ambos se preparavam para a vida religiosa trocaram correspondências e confabularam muito sobre esse tema. Como consequência, aproximaram-se mais e passaram a avaliar a possibilidade de realizar essas atitudes, oração e ação, fora da vida religiosa. Desse modo, deixaram-se envolver afetivamente e enfrentaram a crise de identidade com a opção religiosa, quando ambos desistiram, por falta de vocação.

Trajetória na PUC Goiás

Daniel decide continuar os estudos filosóficos e ingressa no Instituto de Filosofia e Teologia de Goiás (Ifiteg), formando-se em 1985. Como era um curso seminarístico, sem reconhecimento do Ministério da Educação, no ano seguinte, passa no vestibular da Universidade Federal de Goiás: aproveita os créditos e conclui o Bacharelado e a Licenciatura em Filosofia. Enquanto estudou na UFG, foi presidente do Centro Acadêmico de Filosofia e participou do movimento estudantil em Goiás. Ela sai do convento, vai dar aulas numa escolinha no Bairro Feliz e continua o curso Normal no Instituto de Educação de Goiás. Em fevereiro de 1986 os dois decidem se casar e continuam participando das atividades religiosas e comunitárias.

Em 1988, Daniel passa em concurso para docente na então Universidade Católica de Goiás, por onde faz duas especializações: ‘Pensamento dialético’ e ‘Pensamento contemporâneo’, e começa a sua ascendente trajetória também como gestor da instituição. No ano seguinte, foi eleito diretor do Departamento de Filosofia e Teologia (FIT), onde estava lotado. Em 1994 começou o mestrado em Filosofia Política na UFG, que conclui em 96, quando foi escolhido diretor da Biblioteca Central Dom Fernando Gomes dos Santos, da PUC Goiás, onde ficou por cinco anos. Em 1997, inicia o curso de direito na universidade, que foi interrompido no oitavo período, em 2001, quando assumiu a presidência da Comissão Geral de Licitação da Prefeitura de Goiânia, função que ocupou até 2004; em 2003 foi diretor administrativo interino da Companhia de Urbanização de Goiânia (Comurg). Em 2004, volta para nova função na PUC Goiás: a direção do Departamento de Recursos Humanos, que deixou no ano seguinte para assumir a Pró-Reitoria de Administração, que ocupa até hoje.

Militância partidária

Em 1982, quando estudante, entrou na atividade partidária, filiando-se ao nascente Partido dos Trabalhadores (PT), entusiasmado com o seu projeto de transformação social, de construção do Estado Democrático de Direito e onde tinha espaço para atuação. A vocação política veio do pai, que foi Juiz de Paz no povoado em que moravam, quando convivia com o meio político da região.

A primeira experiência numa eleição aconteceu em 1988, quando se candidata a vereador em Goiânia pelo PT, tendo por base o seu trabalho na região leste da cidade, mais especificamente nas vilas Pedroso, Concórdia, Caiçara, Novo Mundo e Santo Hilário. Obteve 628 votos e ficou na suplência. Nessa eleição, o partido fez a sua maior bancada na Câmara Municipal, cinco vereadores, elegendo suas principais estrelas: Darci Acorsi, Marina Sant’Anna, Niso Prego, Geraldão da bicicleta e Paulo Souza Neto.

Em 2000, coordenou a elaboração do Plano de Governo do candidato eleito Pedro Wilson a prefeito de Goiânia. Em 2002 integrou o grupo de trabalho que coordenou a elaboração do Plano de Ação da então candidata do PT ao Governo, Marina Sant’Anna, quando se reuniram com os mais diversos segmentos sociais, empresariais, religiosos e sociais para colher sugestões. Elaboraram um documento que considera avançado em suas propostas de desenvolvimento sustentável para o Estado, e esse grupo criou, a partir daí, o Instituto de Consultoria, Estudos e Formação (ICEF), para dar formação política, que ele presidiu por dois anos (2003/2004). Nesse ano foi tentado a se candidatar novamente a vereador, considerou a possibilidade, mas desistiu, para acompanhar a candidatura de Marina Sant’Anna, encerrando, por enquanto, qualquer nova disputa eletiva.

Recuperação de menores

Nos anos 90, numa dissidência da Pastoral do Menor, da Arquidiocese de Goiânia, em função de interpretações sobre o trabalho de recuperação de menores de rua, na abordagem e tratamento, participa da criação da Associação Caminhos de Vida. Para a iniciativa se junta a um grupo de amigos militantes, dentre os quais o padre Sérgio Bernardoni, da Cara Vídeo, a então irmã Maria Luiza, que depois deixou a vida religiosa, o professor da PUC Goiás José Paulo Pietrafesa e o atual secretário de Saúde da Prefeitura Municipal, Elias Rassi.

Por intermédio da Associação Caminhos de Vida, eles construíram uma casa de apoio no Setor Pedro Ludovico, que funciona até hoje, e chegou a abrigar 32 menores. Serve de proteção aos meninos de rua, oferece tratamento para desintoxicação, estimula o seu envolvimento em trabalhos manuais em oficinas de atividades – reciclagem de papel e produção de tapetes –, faz o resgate de sua cidadania e incentiva a ida do menor à escola. Em 1995, afastou-se da Associação, para se dedicar à elaboração da tese de mestrado.

Família

Daniel e sua esposa, Zezé:
"História de amor que dá um livro"


Daniel se sente realizado com a família bem constituída que tem. Zezé, como chama carinhosamente a sua mulher, fez o curso de Letras na PUC Goiás, e os dois construíram um projeto de vida em comum, de muito companheirismo, cumplicidade e admiração recíproca, que completou em fevereiro 25 anos. “Dá um bonito romance. Vou escrever”, anuncia ele. O casal tem três filhas, todas assinando Rosa Barbosa: Danieli, graduada em Direito pela PUC Goiás, especializou-se em Direito Tributário e leciona no Departamento de Ciências Jurídicas da instituição, como professora convidada; Micheli, publicitária, que acaba de se graduar também pela PUC Goiás, é a apresentadora do programa “Da Hora”, da UCG TV, em transmissão nacional pela TV Aparecida, de São Paulo, e lhe deu a neta Laura, dois anos e meio; e Isabeli, que cursa o quinto ano do ensino fundamental.

As filhas são o seu orgulho, pelo comportamento, maneira de viver e conquistas na profissão de cada uma.

“Vim de baixo. Sou de família de lavradores, migrantes que fugiram do campo para se instalar na Capital. Consegui superar os obstáculos, fazer um curso superior, ter projeção, fazer parte da sociedade e ingressar numa grande instituição de ensino superior, que é a PUC Goiás, onde faço parte de sua gestão, compondo a equipe que transforma a universidade, numa perspectiva de excelência acadêmica”, orgulha-se Daniel. “Aqui constitui laços de amizade e profissionais”. Uma das transformações que faz questão de ressaltar é a UCG TV, cuja implantação ele coordenou como Pró-Reitor de Administração e como seu primeiro diretor.

O pai faleceu, aos 63 anos, vítima do mal de Chagas, e a mãe, que completou 73 anos, é diabética e no momento se recupera de uma temporada de cinco meses numa UTI.