segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

O fim, ops, o começo da odisseia em São Paulo!

Por Carla Lacerda
Fotos: Arquivo Pessoal

Sabe aquele lance de chegar de viagem e “enrolar horrores” para desarrumar a mala? Pois é. Fiz isso virtualmente. Depois de minha ida à São Paulo, em outubro, mês em que estava de férias, voltei com a bagagem cheia de novidades para os leitores do blog. A odisseia começou a ser narrada pelo fim, passamos pelo meio, e ficou faltando, claro, o começo. (*Quer saber mais sobre essas histórias? É só acessar o http://www.meninasdoesporte.com.br/)

Lars Grael
E foi tão especial o começo! No aeroporto Santa Genoveva, na fila de embarque, o Thiago, meu esposo, me cutuca para mostrar que tem atleta no nosso voo! Sim, se no post “O início, o meio e o fim…”, eu fiz suspense, aqui não tem nada de segredos. Lars Grael. Foi ele quem entrevistei nos ares.

Imagina a minha adrenalina! Já acomodada na poltrona do avião, pensava a melhor hora de abordá-lo. “E se ele não quiser falar? E, aí, chego lá, falo que sou jornalista e pergunto se não quer me dar uma entrevista em pleno voo?” Enquanto minha mente borbulhava, a aeronave deixava a pista de Goiânia. Mais alguns minutos, e já nos era permitido tirar o cinto. Pronto, peguei máquina fotográfica, gravador digital, bloquinho de notas e caneta (gravadores sempre falham. E, pra não me deixar mentir, aconteceu! A bateria do equipamento acabou no meio da entrevista, acreditam???).

segunda-feira, 25 de julho de 2011

Para o professor Wolmir, férias é momento para descansar, conviver e conhecer

Na semana de férias que teve no início deste mês de julho, o reitor da Pontifícia Universidade Católica de Goiás, professor Wolmir Amado, visitou a família em Paim Filho, no Rio Grande do Sul (Serra Gaúcha), onde reside sua mãe e irmãos, e aproveitou para levar o filho Fernando a lugares importantes para ele, a partir das lembranças da infância, adolescência e juventude, e também que são referência na história da região. Acompanhado também de seu irmão Gladimir, visitou o município de Angelina – que integra o circuito religioso de Santa Catarina – e a Fortaleza de Santa Cruz, localizada na Ilha de Anhatomirim. "Contemplar com gratidão o que há de bonito na vida, na natureza, nas cidades e nas pessoas" é o que revigora as energias do professor Wolmir, já de volta para a rotina de reitor de uma das maiores universidades do país, que tem o reconhecimento, mas também a grande responsabilidade de ser PUC. Leia, a seguir, o relato de viagem do professor Wolmir.

Restaurando energias

"Havia apenas alguns dias de descanso para as férias. Quando o tempo é exíguo, procuro fazer um roteiro de viagem e de descanso que seja intenso, novo e restaurador das energias. Por isso, revisitei minha terra natal, onde restabeleço contatos e aprofundo os vínculos com o passado, com as lembranças, com outras fases importantes de minha vida pessoal. Procuro também visitar algum lugar diferente para que isso se fixe na memória. Geralmente, são lugares de contato direto com água e mata e, preferencialmente, com alguma evocação histórica e espiritual.

Dessa vez, fomos conhecer a cidade de Angelina, em Santa Catarina, formada por imigrantes de origem alemã, com uma belíssima referência de turismo religioso que é a gruta de N. Sra. de Angelina. E, também, fizemos o passeio de barco pelo mar, visitando ilhas e Fortes do século XVIII. Nosso guia-mor foi meu irmão Gladimir, que mora em Florianópolis. Ele é quem conhece com muita vivência os lugares mais belos daquele estado. Além de nos acompanhar, tivemos a oportunidade do encontro como família. Moramos em lugares distantes uns dos outros. E saímos muito cedo de casa. Então, as férias também se tornam uma importante ocasião para o reencontro familiar.


Acompanhou-me nessa viagem meu filho Fernando. Tenho essa prática com os filhos desde que eram pequenos. Nossas férias sempre passamos juntos, como intensos dias de convivência e de diálogo. Compartilhamos juntos, nessa viagem, Fernando e eu, a mesma alegria de contemplar com gratidão o que há de bonito na vida, na natureza, nas cidades e nas pessoas. Sob o intenso frio de inverno do sul do Brasil, conversamos muito, viajamos por longas distâncias, experimentamos sabores diferentes nas refeições, conhecemos gente com outro sotaque e cultura, passeamos, rezamos, tiramos muitas fotografias, experimentamos o silêncio do olhar e do conhecer... Foi tudo muito bom!!! "
                                                                                                                                          Wolmir Amado

sexta-feira, 17 de junho de 2011

Sou um milagre

Depois de seis meses de funcionamento, o blog da PUC Goiás entra em uma nova fase, mais interativa. Além das reportagens produzidas pela equipe de jornalismo da Divisão de Comunicação Social (Dicom) da universidade, a plataforma virtual abre espaço também para os leitores-escritores divulgarem suas histórias de vida. E olha que a gente nem pode se orgulhar de liderar esta iniciativa; a demanda surgiu, na verdade, por parte de uma leitora do blog, que encaminhou um texto para publicação. Estamos falando da professora convidada do curso de eventos da PUC Goiás, Divina Helena de Camargo. E, se você, como ela, “quer ser o autor da sua história” – sim, a gente aproveitou o slogan do vestibular da universidade para fazer um trocadilho -, não perca tempo e entre em contato com nossa equipe, por meio do e-mail dicom.pucgoias@gmail.com. Boa leitura!

Texto: Divina Helena de Camargo*
Foto: Arquivo Pessoal


Professora da PUC,
 Divina Helena de Carmargo

Domingo, dia 1º de maio, foi a beatificação do falecido Papa João Paulo II no Vaticano. Foi atribuído a ele o milagre realizado numa freira francesa que sofria de Mal de Parkinson e foi curada ao invocá-lo num momento de profunda dor.

Bem, assistindo a matéria na televisão, lembrei-me da história da minha vida, que também posso dizer que aconteceu um milagre, não do Papa, mas de uma padre chamado Pelágio.

Minha história eu conto assim: nasci em 24 de outubro de 1959, uma menina robusta, saudável, cheia de vida. Morava na Rua 85, no Setor Sul, em Goiânia. Em fevereiro de 1960, eu então com 4 meses de vida, fui acometida da doença mais temível da época: paralisia infantil.

Nesta época, houve um surto dessa doença no Setor Sul da capital e 14 crianças foram vítimas da poliomelite; eu fui uma delas. Nesse tempo já havia a vacina Sabin contra a doença, mas só podia ser aplicada a partir dos 6 meses de idade. Eu, com apenas 4 meses, por ser muito robusta, contraí o vírus.

Segundo meus pais, foi terrível a constatação da doença, quando eu tive uma febre altíssima e minha mãe me levou ao pediatra mais famoso da época (prefiro não mencionar o nome) e ele, temeroso, pediu que nós nos retirássemos do seu consultório o mais rápido possível, com medo da contaminação de outras crianças - e até mesmo de suas filhas - que eram bem pequenas. Ele ainda disse para minha mãe se conformar com o destino, que fôssemos imediatamente para casa e que me colocasse isolada de todos até que a fase de contágio passasse.

O tão famoso médico disse que não poderia fazer nada para nos ajudar. Falou ainda que, naquelas condições, se eu não viesse a óbito, ficaria com sequelas irreversíveis, podendo não andar, não falar e viver uma vida vegetativa (o que aconteceu com algumas das outras crianças).

Imagino hoje, minha mãe, naquela situação, comigo nos braços, com uma sentença do médico, sem saber o que fazer. Graças a Deus, minha família sempre foi muito religiosa e minha mãe, mais que ninguém. Assim ela me levou para casa e não desistiu de tentar fazer algo para me salvar; entregou-me nas mãos de Deus para que Ele conduzisse a minha vida.

Naquela semana, então, chegou a Goiânia um médico ortopedista, vindo dos Estados Unidos, recém-casado, especializado em sequela de poliomelite (pois ele também teve a mesma doença), chamado Cláudio de Almeida Borges, meu anjo protetor.

Meus pais, sabendo disso, foram até ele sem mim, pois estava isolada em casa e contaram o meu caso. Ele prontamente se dispôs a ir até onde eu morava e iniciou o tratamento a domicílio até que eu pudesse ser levada ao consultório. A minha paralisia foi total: só mexia os olhos e nada mais. Assim, ele pedia que minha mãe me colocasse numa banheira com água quase fervendo, para que meu corpo reagisse à alta temperatura e eu não esboçava nenhuma reação. Apertava as chaves do carro em meu corpo e nada de reagir. Mas minha mãe e ele não desistiram de mim.

O tempo foi passando e eu, dos 4 aos 8 meses de vida, fiquei num leito de gesso, feito uma múmia, somente com os rosto de fora. Mamãe me colocava na parede próximo a ela, que costurava o dia todo, e o que a animava é que, com os olhos, eu a seguia o tempo todo. Ela dizia que eu tinha vida nos olhos, que eu conversava com ela pelo olhar, como se pedindo: não desista de mim. E assim ela fez.

Mamãe me levava toda semana na novena em Trindade, onde o padre Pelágio era o pároco. Assistia a missa e novena comigo no leito de gesso. O tempo foi passando e, aos 9 meses, fui retirada do gesso para ver como minha musculatura reagia. Nada! Meu pescoço não segurava a cabeça: ela tombava ora para um lado, ora para outro. Não sentava, meus membros superiores e inferiores eram moles, sem movimento.

Mesmo assim, minha mãe continuava a me levar em Trindade até que um dia, durante a missa do padre Pelágio, eu "xinguei" a minha mãe de "batata" dentro da igreja. Ela quase me deixou cair de tanto susto, pois do início da doença até aquele momento eu nunca mais tinha emitido nenhum som. Outras pessoas tiveram que me carregar, pois minha mãe, de tão assustada e comovida, somente tremia e chorava...

Ela não via a hora de chegar em casa e contar a todos que eu tinha retornado a voz, pois depois do "xingamento", não parei mais de emitir som. Chegando em casa, ela contou a meu pai e irmãos o que tinha acontecido. Todos ficaram muito alegres, e daí resolveram que iriam me levar até a Praça Cívica para passear num carrinho de bebê. Quando foram calçar um sapatinho em mim, me puseram em cima da mesa da copa e, no momento em que meu pai sustentou meu corpo para que minha mãe me calçasse, outro susto! Eu parei sentada sozinha e comecei a chutar minha mãe com as pernas. Voltaram os movimentos dos braços e pernas.

Meus pais não se continham de alegria e agradeciam a Deus pelo milagre! Naquela tarde, na missa, o padre Pelágio deu uma benção especial para mim, a pedido de minha mãe. Após a benção, durante a missa, começaram os prodígios e milagres.

A partir daí, me levaram ao doutor Cláudio Borges, e quando ele me viu, exclamou:

- Milagre! Milagre!

Ele dizia que, pela medicina da época, eu poderia melhorar um pouco mais, mas não daquela forma.

O tempo passou. Usei aparelho nas pernas e andei aos 3 anos de idade. Daí pra frente foram várias cirurgias corretivas, mas fui levando minha vida dentro da normalidade prevista a toda criança.

Brincava, corria, nadava, cantava (gosto de cantar até hoje), estudava. E cresci, namorei, me casei com um homem maravilhoso por dentro e por fora. Tive um filho que é uma benção para mim.

Hoje, aos 51 anos, olho pra trás e vejo o quanto Deus foi misericordioso comigo. Agradeço aos pais que tive, pela fé inabalável de minha mãe, pelo cuidado e carinho do meu anjo da guarda doutor Cláudio, que faleceu no ano passado, infelizmente.

E se servir de alento para alguém a minha história, digo: Mãe, não desista dos seus filhos! Por pior que possa parecer a situação, CREIAM! MILAGRES ACONTECEM...

*Divina Helena de Camargo é professora convidada do curso de Eventos da PUC Goiás

sexta-feira, 6 de maio de 2011

Vento vivo

José Carlos Purificação, o Zezinho
Por Carla Lacerda
Fotos: Weslley Cruz e Arquivo pessoal


Af af af af af af af af af af af af af…

Rum rum rum rum rum rum rum rum...

Af af af af af af af af af af af af af…

Rum rum rum rum rum rum rum rum...

“Vamboooora, Zezinho, se não você vai chegar atrasado!”

Das janelas do ônibus, os colegas de escola de Zezinho, José Carlos Purificação de Alecrim na certidão de nascimento, observavam o jovem baiano cruzar as ruas da capital de Goiás. Quarenta minutos correndo. Com mochila nas costas. E com muito gosto, frise-se.

- Achava uma felicidade cortar Goiânia, não via dificuldade, não.

E ele atravessava a cidade, do Setor Vera Cruz, onde morava com a família, para estudar no Sesi de Campinas, onde fazia o terceiro ano. E engana-se quem pensa que Zezinho trocava o assento de um coletivo – vá lá que nunca foi confortável mesmo andar de ônibus em Goiânia – pela sola do seu sapato simplesmente porque queria economizar dinheiro. Ele até revertia esta quantia guardada em lanches na escola, mas este não o era seu principal objetivo. Zezinho gostava de correr.

- Eu via pela televisão e achava bonitas as corridas. Sempre tive esse sonho.

Mas por que correr com mochila nas costas, então, Zezinho? A caminho da escola? Não é melhor, mais fácil, correr numa pista, treinando mesmo?

As perguntas que talvez você faça agora têm uma resposta bem pragmática. Correr, assim de maneira despretensiosa, era a única forma de Zezinho ... C-O-R-R-E-R. Parece estranho? Então, para não te confundir ainda mais, melhor fazermos uso de um recurso bastante utilizado nos cinemas. Segue flashback!

De volta à infância

Imagine uma criança que não corre. Depois dos 4 anos de idade, esta foi a realidade de Zezinho. Ele não podia correr. Não podia jogar futebol. Não podia um monte de coisas. E tudo por causa de um erro médico.

- Estava brincando e caí em cima do meu braço direito. Fraturei o cotovelo e o ombro. O problema foi que o médico engessou de forma errada, o que desencadeou processos inflamatórios. Tive que tomar muito antibiótico; meus ossos ficaram fragilizados com isso, quebravam por qualquer coisa.

Após o episódio - que ocorreu na cidade de Canabrava, no Mato Grosso, para onde Zezinho, os irmãos mais velhos e os pais haviam se mudado depois de deixar a Bahia -, o movimento no braço direito do jovem ficou limitado. Uma frase, então, passou a reverberar por longos anos em sua cabeça:

- Você não pode correr. Você não pode correr. Você não pode correr.

Em uma oportunidade, o mantra quase foi quebrado. Quase:

- Lembro que uma vez meus pais até deixaram eu jogar futebol, mas com um aviso. Se me machucasse, eu saía. É não é que caí durante um jogo e quebrei o braço esquerdo!

E assim se passou a infância e adolescência do baiano de Correntina. O tempo, este sim, corria. Por sorte, rápido. Na linha de chegada, ao invés da certeza do fim do percurso, a expectativa de uma nova rota. Que se abriu com a mudança de Zezinho e dos irmãos para a capital goiana, em 2000.

Em Goiânia

Af af af af af af af af af af af af af…

Rum rum rum rum rum rum rum rum...

Af af af af af af af af af af af af af…

Rum rum rum rum rum rum rum rum...

“Vamboooora, Zezinho, se não você vai chegar atrasado!”

Depois que começou a correr para ir à escola, Zezinho não parou mais. Tomou gosto pelo o que já gostava. E, agora, não era mais um simples telespectador dos eventos esportivos. Ele dava as primeiras passadas. AO VIVO E A CORES. Imagine o Galvão Bueno narrando o início desta trajetória:

- Zezinnnnnnnnnnnho corre do Setor Vera Cruz a Campinas, em Goiânia!

- A rrrrrrrrrrevelação juvenil já encara agora um percurso de 20 quilômetros, saindo da capital até Trindade.

- Aos 17 anos, Zezinnnnnnnnnnnnnho começa a participar das corridas de ruas! Ele quer ganhar um carro como premiação!

Com o microfone - ops, a palavra -, o atleta:

- Quanto mais eu corria, melhor.

- Correr era um sonho de criança. Isso mudou todo o meu psicológico; foi superação mesmo. Cheguei a ser depressivo.

- Quando encontrei o atletismo, foi ótimo porque não tinha como eu cair, como acontecia no futebol. Eu podia competir.

E, aos 17 anos, conforme anunciado por “nosso Galvão”, Zezinho começou a participar das corridas de rua em Goiânia. A primeira foi em agosto de 2004, uma prova de 10 quilômetros.

- Falei pra todo mundo, amigos e parentes, que ia chegar em primeiro lugar e levar o prêmio pra casa, que era um carro. A competição tinha cerca de 2 mil atletas.

E como foi a prova, Zezinho?

- Quando completei dois quilômetros, já estava esgotado. Deu um desespero ver um monte de mulher me ultrapassando. Primeira corrida não é fácil, não!

E o resultado?

- Só ganhei mesmo um diploma de participação. E todo mundo pegou no meu pé perguntando “cadê o carro?” – diz, entre risos.

Zezinho não levou o carro, mas em sua segunda corrida...

- Apareci na capa do jornal O Popular. Eu era uma das “cabecinhas” de atletas fotografadas na competição – comenta, também com jeito matreiro.

Pode até ter sido coisa do acaso, mas depois da discreta aparição no jornal, a fama começou a correr atrás de Zezinho. Em 2007, ele protagonizou uma matéria no Globo Esporte local.

“A música perde um tecladista, mas o esporte ganha um atleta”.

Tecladista? Como assim? Zezinho não era só um rapaz latino-americano, que antes de correr, vendia jornais aos domingos pelas ruas de Goiânia? Sim, leitor, você está certo: esta última informação também é nova, eu ainda não a tinha revelado. Ah, tá, mas eu parei na história de Zezinho tecladista...

Pois então: dois anos depois de chegarem a Goiânia, o irmão mais velho de Zezinho, Leandro, formou uma dupla sertaneja com um colega. Mesmo já com nome de cantor, Leandro preferiu investir em outra identidade artística: Fernando. Nascia, então, a dupla Lucas e Fernando, que tocou nos bares da capital e de Aparecida de Goiânia a partir de 2002. Mas os jovens perceberam que precisavam de um tecladista nas apresentações...

- Pois é, eu ficava no teclado, mesmo sem saber tocar nada, para poder ajudar eles. Colocava o disquete no teclado e ficava lá – confessa Zezinho, que também vendia CD’s da dupla.

Quer saber como o Globo Esporte descobriu este episódio, veiculado em setembro de 2007? Simples: em agosto do mesmo ano, Zezinho participou dos Jogos Parapanamericamos do Rio de Janeiro – já, já conto esta história. E, de lá, voltou com uma medalha de bronze na prova dos 1.500 metros. Os sonhos de Zezinho começavam a se materializar.

Na elite do esporte

Zezinho treina na pista de corrida da PUC Goiás

Mais um miniflashback antes de entrarmos no Parapan do Rio. Depois que desembestou a correr – para a escola no Sesi, nas corridas de ruas de Goiânia, para Trindade -, Zezinho ouviu um conselho de um amigo:

- Por que você não corre na pista de atletismo da Católica? – Wanderley Sidney, mais conhecido como “Cowboy”, se referia à universidade da qual era aluno.

E Zezinho foi. E virou cobaia do cowboy, que cursava Educação Física e começou a treinar o jovem.

- Correr com orientação técnica é outra coisa. Aprendi com o Wanderley a concentrar mente e corpo. Fiz vários testes e ele percebeu que eu tinha resistência e mantinha velocidade. Meu perfil é para corridas que a gente chama de meio-fundo – 800 metros e 1.500 metros.

Zezinho começou a aplicar os ensinamentos e a direcionar seus esforços para o esporte, quando no final de 2005, outro conselho, de outro amigo, o colocou em competições nacionais.

- Como eu tenho a limitação no braço direito, por causa das sequelas da queda na infância, o Tito Sena – atleta paraolímpico goiano, cuja conquista mais recente foi a medalha de prata no Mundial de Atletismo da Nova Zelândia, em janeiro de 2011 - falou pra mim da categoria T-46 no atletismo. São as provas de corrida em que os atletas com alguma deficiência no membro superior participam.

Em 2006, então, aos 20 anos, Zezinho participou do Campeonato Paraolímpico Nacional, em Belém. No fim do mesmo ano, num circuito em Brasília, conseguiu o índice para o Parapan do Rio. Correu os 800 e os 1.500 metros.

- Dos 10 atletas que participaram dos 800 metros, no Rio, meu tempo era o pior. Fiquei entre os últimos na prova.

O jovem não se abalou. Quatro dias depois, competiu nos 1.500 metros.

Af af af af af af af af af af af af af…

(Agora não tinha mais o ‘rum rum rum’ do ônibus e carros das avenidas de Goiânia).

Af af af af af af af af af af af af af…

“Meu Deus, sera que eu vou ganhar?!”

A 300 metros da linha de chegada, Zezinho estava na frente.

Pisadas mais fortes.

Pisadas mais fortes.

Pisadas mais fortes.

Mas eram dos adversários. Zezinho os sentia bem próximos.

- Faltando 250 metros, o mexicano me passou, depois mais um atleta. Na reta dos 100 metros foi aquele sufoco; o quarto colocado vindo atrás. Fiquei em terceiro por frações de segundos - conta Zezinho, que conseguiu o bronze no Parapan.


Zezinho posa ao lado de voluntários no Parapan do Rio, em 2007

- Foi na raça mesmo, na pressão – complementa o jovem. Depois daquele resultado ruim nos 800 metros, eu não acreditava que pudesse ganhar.

Pois trate de acreditar, Zezinho! Pode parecer clichê – e realmente é -, mas o sonho começava a virar realidade.

Depois do resultado, novas conquistas importantes. Também em 2007, Zezinho foi o terceiro colocado no Mundial de Taiwan.

- Pensa num cabloco como eu, do Centro-Oeste, passar 20 dias numa ilha da China?

Este era o começo das viagens internacionais. E também do contato com outras culturas.

- Taiwan tem muitos eletrônicos. O trânsito é caótico: são muitas motos, bicicletas, carros. No fim de semana, tem tanta bicicleta que é como se uma das pistas fosse totalmente destinada a elas.

E a gastronomia, Zezinho?

- A comida é muito estranha, tempero ruim, carne de cachorro. A gente praticamente almoçava e jantava só pizza e McDonald’s – revela o jovem.

E para a China ele foi, para a China ele voltou. Em 2007, esteve em uma das ilhas do país; em 2008, estava na capital Pequim, cidade que assusta pela quantidade de habitantes: quase 20 milhões.

- 2008 foi o melhor ano da minha vida. Participar de uma Paraolimpíada, correr num estádio lotado com 90 mil pessoas, ouvir e ver turistas gritando o nome do Brasil... A emoção foi muito grande, principalmente na abertura e no encerramento do evento. E o Cubo D’água? (refere-se ao complexo aquático construído para receber as provas de natação, saltos ornamentais e nado sincronizado). Foi tudo impressionante. E olha que eu nem ganhei medalha.


Zezinho, de verde, durante prova em Pequim

Mas ainda há tempo para as novas conquistas. Foram 17 anos sem poder correr e, em apenas sete, medalhas e índices alcançados para participar de competições internacionais. Em Pequim, o jovem, que usa no email o codinome “Vento Vivo”, ficou em 7º lugar na prova dos 1.500 metros – ele correu a base de remédios, por causa de um problema no tendão.

- Era uma dor que já me acompanhava há algum tempo. Por causa do treinamento, há um desgaste natural do tendão e do calcanhar. Mas, em agosto do ano passado, fiz uma cirurgia – conta.

Renovado, o hoje estudante do segundo semestre do curso de Educação Física da Pontifícia Universidade Católica de Goiás corre atrás de uma bolsa de estudos e de mais vitórias. 2011 é ano de Pan, 2012, de Olimpíadas, 2016, de Olimpíadas no Rio...

- É um momento de incentivo ao esporte. Quero correr até os 37 anos e ter o estudo como garantia de sustento.

E quem sabe, já em Guadalajara 2011, Zezinho consegue o sonho de ter uma medalha dourada?


Zezinho faz graça durante pose ao lado de monumento na China,
na paraolimpíada de 2008. Preparação agora é para 2011 e 2012

- Em 2007, um mexicano ganhou o ouro no Rio. Lembro que quando fui receber o bronze, um integrante do comitê brasileiro cochichou no meu ouvido: ‘No Parapan do México, você dá o troco”.

Nós estaremos aqui, Zezinho, torcendo para o Galvão Bueno narrar esta vitória.





sexta-feira, 8 de abril de 2011

Filósofo e administrador


Pró-reitor de Administração, Daniel Barbosa,
recebe termo de posse das mãos de D. Washington

Por Jales Naves
Fotos: Arquivo pessoal e Dicom

Filósofo por formação e administrador por opção, duas atividades aparentemente distantes, o professor Daniel Rodrigues Barbosa é um exemplo de superação. Terceiro dos sete filhos de uma família muito pobre, pais nascidos e vividos no meio rural, ele enfrentou as mais diversas atividades para conquistar o seu espaço na sociedade. Servente de pedreiro, aos 15 anos, no trajeto para o trabalho, aproveitava o tempo em trânsito para ler, às vezes até de carona na carroceria do caminhão que transportava garis. Nessas ocasiões, ouvia de colegas: “não sei porque pobre estuda”, no entanto, não se acomodou nessa condição e partiu para a luta: estudou, formou-se numa universidade, o que já foi uma conquista enorme em seu meio, e aproveitou as oportunidades que a vida lhe ofereceu. Hoje, aos 50 anos, com uma situação profissional consolidada, sente-se recompensado, com a família que formou e o reconhecimento dos colegas ao seu trabalho. Ocupa, desde 2005, um dos mais importantes cargos de direção na Pontifícia Universidade Católica de Goiás, a Pró-Reitoria de Administração.

Nessa trajetória, ele fez de tudo um pouco. Criança, ajudou os pais em suas atividades no meio rural, colhendo feijão, cortando arroz e apanhando algodão; nessa época, no pequeno lugarejo em que morava, no interior de Goiás, narrava os jogos de futebol nos campos de várzea, um ‘hobby’ que, mais tarde, como comentarista na UCG TV, lhe daria projeção estadual. Em Goiânia, trabalhou como servente e pedreiro, pensou em se dedicar à área, mas o envolvimento com os movimentos sociais deu-lhe uma guinada na vida: quis seguir a carreira religiosa, mas optou por estudar Filosofia e pelo magistério. Militou na política, sonhando com o ideal de transformar o mundo com suas ideias, chegou a se candidatar a vereador em Goiânia, e acabou se revelando um grande gestor.

Nos projetos mais imediatos, além da conclusão do livro que conta a história da implantação da UCG TV e da publicação de sua dissertação de mestrado, está a realização de um torneio de xadrez em Goiânia, possivelmente na universidade, para se exercitar, pois se considera um excelente jogador, e não tem tido oportunidade de mostrar esse seu lado. É um hobby que se junta ao de jogar bola, comentar futebol, compor músicas, tocar violão e cantar com os amigos e irmãos.

Êxodo rural

Baiano de Correntina, Raul Chaves Barbosa, seu pai, atravessou a pé os Gerais correndo atrás dos catingueiros, numa luta constante pela sobrevivência, para se instalar em Maurilândia, no Sudoeste de Goiás, onde Daniel nasceu em 1960. Raul teve formação escolar básica e trabalhava nas lavouras, colhendo arroz, feijão e milho, com a ajuda dos filhos. Mineira de Uberlândia, Ovídia Rodrigues, sua mãe, também não teve oportunidade de estudar e ficou nas lides do lar, cuidando dos filhos – seis homens e uma mulher. Eles tiveram pequenas glebas de terras, mas principalmente cuidaram de lavouras nesse município e nos de Santa Helena de Goiás, Rio Verde e Paraúna, no povoado de Arantina, hoje município de Acreúna, divisa com Edéia. Nesse lugarejo, havia duas atrações no domingo: a missa e os jogos de futebol; as partidas, ele narrava e comentava, já aos 12/13 anos, com seus dois irmãos mais velhos, Jeová e Elias, em transmissão por alto-falante para toda a plateia presente em volta do campo. Pela idade, era aspirante e não participava do time principal. Ele estudou na escolinha local e ali fez o primário. O pai, antes da mudança para Goiânia, trabalhou como apontador (controlava o ponto dos cortadores de cana) na usina de açúcar de Santa Helena, que se chamava Usina Central Sulgoiana.

Além de jogar futebol, aos 13 anos, Daniel também já narrava
partidas no povoado de Arantina, hoje município de Acreúna

Fruto do êxodo rural que se verificou em Goiás a partir dos anos 1970, como consequencia do processo de modernização da agricultura, com a implantação das grandes lavouras de soja e a expulsão dos pequenos lavradores, em 1975 a família se mudou para Goiânia. A preocupação dos pais era de oferecer estudos aos filhos, para que pudessem ter melhores oportunidades de trabalho e de vida.

Primeiras atividades

O pedreiro Daniel Barbosa
Com 15 anos, Daniel consegue seu primeiro emprego: servente de pedreiro, na construtora Encol, na época uma das maiores, função na qual fica seis meses; aprendiz, fez um curso, pela empresa, no Senac, e passa a pedreiro, como assentador de azulejo. Ficou quatro anos na atividade, quando animava os momentos de entrega das obras cantando suas músicas e tocando violão, ao lado dos irmãos Elias e David, um hobby que mantém até hoje. Ao mesmo tempo, concluiu o ensino fundamental, no Colégio Claretiano Coração de Maria. Nessa época, busca alternativas de emprego, faz dois concursos e é aprovado em ambos, mas como o então Dentel demora a convocar, opta pela Prefeitura de Goiânia, onde ingressa em 1979, como agente administrativo. Ao mesmo tempo, fez o curso de Edificações, na Escola Técnica Federal de Goiás.

Em 1976, morando na periferia da Capital, na Vila Concórdia e depois Vila Pedroso, começa a participar de grupos de jovens e vocacionais da Paróquia Nossa Senhora das Dores, de cursos bíblicos e encontros pastorais. Entra no grupo Juventude em Busca de Cristo (JBC), para trabalhar com jovens na região, criando a Liga Esportiva, que promovia torneios de futebol, e a Associação dos Moradores, para fortalecer as ações coletivas nessa comunidade. O JBC, formado atualmente por ex-vocacionados, ex-padres e ex-freiras, ainda hoje se reúne, uma vez por ano, para uma confraternização.

Nessa época conhece, no grupo de jovens, a goianiense Maria José Rosa, com quem convive como colega e parceiro de grupo, trocam confidências e aprofundam uma amizade que dá suporte à opção vocacional dos dois de seguirem a vida religiosa. Era o ano de 1976: ele escreve peças para o teatro e as dirige e ela integra o elenco. Juntos, participam do trabalho pastoral, de discussões e reflexões sobre religião e trabalho comunitário, influenciados pela Teologia da Libertação, que pregava a militância religiosa com a ação política.

Em 1978, ela ingressa como aspirante à vida consagrada no Convento Mãe Dolorosa. Anos mais tarde, em 1983, ele conclui o curso de Edificações na ETFG, ingressa no Seminário Santa Cruz, faz um ano, e vai para o Seminário Franciscano dos Capuchinhos do Setor Pedro Ludovico, onde fica um ano e meio. Nessa mesma época, ela termina o postulantado no Convento das Irmãs Franciscanas Mãe Dolorosa e ingressa no noviciado, última fase de preparação para o ingresso à vida religiosa. Em julho de 1984, os dois têm nova convivência, quando ele é chamado a escrever a história da fundadora da congregação, Madre Francisca Streitel. Fazem o trabalho em conjunto, ela traduzindo os textos do italiano; o livreto se intitulou “Uma vida entre ação e contemplação”. Tal temática refletia o momento histórico porque passavam, mas, também, o conflito vocacional entre a opção ao recolhimento, à oração, e à militância social e política. No período em que ambos se preparavam para a vida religiosa trocaram correspondências e confabularam muito sobre esse tema. Como consequência, aproximaram-se mais e passaram a avaliar a possibilidade de realizar essas atitudes, oração e ação, fora da vida religiosa. Desse modo, deixaram-se envolver afetivamente e enfrentaram a crise de identidade com a opção religiosa, quando ambos desistiram, por falta de vocação.

Trajetória na PUC Goiás

Daniel decide continuar os estudos filosóficos e ingressa no Instituto de Filosofia e Teologia de Goiás (Ifiteg), formando-se em 1985. Como era um curso seminarístico, sem reconhecimento do Ministério da Educação, no ano seguinte, passa no vestibular da Universidade Federal de Goiás: aproveita os créditos e conclui o Bacharelado e a Licenciatura em Filosofia. Enquanto estudou na UFG, foi presidente do Centro Acadêmico de Filosofia e participou do movimento estudantil em Goiás. Ela sai do convento, vai dar aulas numa escolinha no Bairro Feliz e continua o curso Normal no Instituto de Educação de Goiás. Em fevereiro de 1986 os dois decidem se casar e continuam participando das atividades religiosas e comunitárias.

Em 1988, Daniel passa em concurso para docente na então Universidade Católica de Goiás, por onde faz duas especializações: ‘Pensamento dialético’ e ‘Pensamento contemporâneo’, e começa a sua ascendente trajetória também como gestor da instituição. No ano seguinte, foi eleito diretor do Departamento de Filosofia e Teologia (FIT), onde estava lotado. Em 1994 começou o mestrado em Filosofia Política na UFG, que conclui em 96, quando foi escolhido diretor da Biblioteca Central Dom Fernando Gomes dos Santos, da PUC Goiás, onde ficou por cinco anos. Em 1997, inicia o curso de direito na universidade, que foi interrompido no oitavo período, em 2001, quando assumiu a presidência da Comissão Geral de Licitação da Prefeitura de Goiânia, função que ocupou até 2004; em 2003 foi diretor administrativo interino da Companhia de Urbanização de Goiânia (Comurg). Em 2004, volta para nova função na PUC Goiás: a direção do Departamento de Recursos Humanos, que deixou no ano seguinte para assumir a Pró-Reitoria de Administração, que ocupa até hoje.

Militância partidária

Em 1982, quando estudante, entrou na atividade partidária, filiando-se ao nascente Partido dos Trabalhadores (PT), entusiasmado com o seu projeto de transformação social, de construção do Estado Democrático de Direito e onde tinha espaço para atuação. A vocação política veio do pai, que foi Juiz de Paz no povoado em que moravam, quando convivia com o meio político da região.

A primeira experiência numa eleição aconteceu em 1988, quando se candidata a vereador em Goiânia pelo PT, tendo por base o seu trabalho na região leste da cidade, mais especificamente nas vilas Pedroso, Concórdia, Caiçara, Novo Mundo e Santo Hilário. Obteve 628 votos e ficou na suplência. Nessa eleição, o partido fez a sua maior bancada na Câmara Municipal, cinco vereadores, elegendo suas principais estrelas: Darci Acorsi, Marina Sant’Anna, Niso Prego, Geraldão da bicicleta e Paulo Souza Neto.

Em 2000, coordenou a elaboração do Plano de Governo do candidato eleito Pedro Wilson a prefeito de Goiânia. Em 2002 integrou o grupo de trabalho que coordenou a elaboração do Plano de Ação da então candidata do PT ao Governo, Marina Sant’Anna, quando se reuniram com os mais diversos segmentos sociais, empresariais, religiosos e sociais para colher sugestões. Elaboraram um documento que considera avançado em suas propostas de desenvolvimento sustentável para o Estado, e esse grupo criou, a partir daí, o Instituto de Consultoria, Estudos e Formação (ICEF), para dar formação política, que ele presidiu por dois anos (2003/2004). Nesse ano foi tentado a se candidatar novamente a vereador, considerou a possibilidade, mas desistiu, para acompanhar a candidatura de Marina Sant’Anna, encerrando, por enquanto, qualquer nova disputa eletiva.

Recuperação de menores

Nos anos 90, numa dissidência da Pastoral do Menor, da Arquidiocese de Goiânia, em função de interpretações sobre o trabalho de recuperação de menores de rua, na abordagem e tratamento, participa da criação da Associação Caminhos de Vida. Para a iniciativa se junta a um grupo de amigos militantes, dentre os quais o padre Sérgio Bernardoni, da Cara Vídeo, a então irmã Maria Luiza, que depois deixou a vida religiosa, o professor da PUC Goiás José Paulo Pietrafesa e o atual secretário de Saúde da Prefeitura Municipal, Elias Rassi.

Por intermédio da Associação Caminhos de Vida, eles construíram uma casa de apoio no Setor Pedro Ludovico, que funciona até hoje, e chegou a abrigar 32 menores. Serve de proteção aos meninos de rua, oferece tratamento para desintoxicação, estimula o seu envolvimento em trabalhos manuais em oficinas de atividades – reciclagem de papel e produção de tapetes –, faz o resgate de sua cidadania e incentiva a ida do menor à escola. Em 1995, afastou-se da Associação, para se dedicar à elaboração da tese de mestrado.

Família

Daniel e sua esposa, Zezé:
"História de amor que dá um livro"


Daniel se sente realizado com a família bem constituída que tem. Zezé, como chama carinhosamente a sua mulher, fez o curso de Letras na PUC Goiás, e os dois construíram um projeto de vida em comum, de muito companheirismo, cumplicidade e admiração recíproca, que completou em fevereiro 25 anos. “Dá um bonito romance. Vou escrever”, anuncia ele. O casal tem três filhas, todas assinando Rosa Barbosa: Danieli, graduada em Direito pela PUC Goiás, especializou-se em Direito Tributário e leciona no Departamento de Ciências Jurídicas da instituição, como professora convidada; Micheli, publicitária, que acaba de se graduar também pela PUC Goiás, é a apresentadora do programa “Da Hora”, da UCG TV, em transmissão nacional pela TV Aparecida, de São Paulo, e lhe deu a neta Laura, dois anos e meio; e Isabeli, que cursa o quinto ano do ensino fundamental.

As filhas são o seu orgulho, pelo comportamento, maneira de viver e conquistas na profissão de cada uma.

“Vim de baixo. Sou de família de lavradores, migrantes que fugiram do campo para se instalar na Capital. Consegui superar os obstáculos, fazer um curso superior, ter projeção, fazer parte da sociedade e ingressar numa grande instituição de ensino superior, que é a PUC Goiás, onde faço parte de sua gestão, compondo a equipe que transforma a universidade, numa perspectiva de excelência acadêmica”, orgulha-se Daniel. “Aqui constitui laços de amizade e profissionais”. Uma das transformações que faz questão de ressaltar é a UCG TV, cuja implantação ele coordenou como Pró-Reitor de Administração e como seu primeiro diretor.

O pai faleceu, aos 63 anos, vítima do mal de Chagas, e a mãe, que completou 73 anos, é diabética e no momento se recupera de uma temporada de cinco meses numa UTI.

terça-feira, 22 de março de 2011

“A Universidade faz parte de minha vida”

Luiz de Gonzaga Vieira
Por Jales Naves
Fotos: Arquivo Pessoal

A displicência naquele ano de 1964, quando estava concluindo o curso ginasial no Colégio Regina Pacis, em Araguari, Minas Gerais, sua terra natal, e ficou de segunda época em Matemática, acabou definindo, mais tarde, a trajetória de Luiz de Gonzaga Vieira. Como havia sido reprovado por dois décimos pelo professor João Duarte, casado com sua tia, ele prometeu que iria estudar muito, as férias inteiras, e tirar 10. Queria recuperar o prestígio com o pai, o fotógrafo Geraldo Vieira, o mais famoso da cidade, que se recusara a ir à formatura dele, com receio de que não passasse na matéria. A lição foi positiva, ele se empenhou bastante, conseguiu a nota máxima e, ao mesmo tempo, passou a gostar da disciplina, que abriu as portas para ele em vários colégios e na Pontifícia Universidade Católica de Goiás. Na PUC Goiás construiu uma elogiada carreira no magistério superior, à qual dedicou-se integralmente, a partir daí, e ocupou as mais diversas funções – professor, dirigente sindical e gestor.

João Duarte teve um segundo momento importante em sua vida: ao se envolver com o movimento estudantil em sua cidade, em meados dos anos 1960, na época efervescente, acabou sendo indiciado em Inquérito Policial Militar (IPM). Ele atuava na União dos Estudantes de Araguari (UEA), participou de um congresso na cidade mineira de Governador Valadares, de grande repercussão, e quando os militares assumiram o poder, vários de seus colegas foram presos. A sua sorte foi o tio ter boas relações com o pessoal do Batalhão Ferroviário, que comandou os IPMs na cidade, e o livrar da prisão.

Mudando de planos

O professor Antônio Marques
o cumprimenta em sua formatura
Nascido no dia 31 de julho de 1947 e segundo dos sete filhos de Célia de Souza Vieira, que fora professora quando solteira e depois apenas cuidou de criar a família, e de Geraldo Vieira, Luiz Gonzaga fez o curso científico no Colégio Estadual de Araguari, que concluiu em 1967. Como exercia grande influência no meio estudantil e tinha bom relacionamento com os colegas, com os professores e com o pessoal administrativo, logo foi convidado pelo diretor Antônio Marques para lecionar no colégio. “Não era dos mais brilhantes. Tinha colegas que sobressaíam mais do que eu”, recorda-se.

Lecionar, até então, não constava de seus planos. Ele sonhava em cursar Geologia em Ouro Preto, MG, e seguir a profissão. Chegou a fazer um cursinho preparatório à noite, em Uberlândia, MG, enquanto começava a lecionar. O percurso entre as duas cidades, de 58 km, era pela estrada de chão, passando pela antiga ponte do pau furado, sobre o rio Araguari, famosa pela triste lembrança da violenta injustiça cometida contra os irmãos Joaquim e Sebastião Naves, no mais famoso caso de erro judiciário do País.

Nesse ano começou a gostar de Matemática, quando decidiu se mudar para Goiânia, para prestar vestibular. A opção não poderia ser outra, passou, matriculou-se na então Universidade Católica de Goiás, e começou a estudar. Como não tinha bolsa de estudo e nem queria contar com a ajuda financeira do pai, que não teria como ajudá-lo, decidiu trabalhar para se manter. Como só achava emprego durante o dia, teve que trancar a matrícula por dois anos, e o curso, que normalmente dura quatro anos, foi completado em seis.

Carreira no magistério

O primeiro emprego em Goiânia, como professor de Matemática, em 1968, no Colégio Ipiranga, oportunizou uma amizade com o proprietário, o professor Zeuxis de Morais, que foi vereador em Goiânia e seu aluno na então UCG. Na seqüência, lecionou no Liceu de Goiânia, no Instituto de Educação de Goiás, no Colégio Assunção e no Educandário Pio XII.

Em 1971, surgiram outras oportunidades, que aproveitou: convidado pelo diretor Mozart Barbosa, trabalhou no então Departamento de Ensino de II Grau da Secretaria da Educação do Estado, como inspetor; e, depois, a convite do diretor do Departamento de Ensino Supletivo, da SEE, Delson Leone, criou o Centro de Estudos Supletivos, no Setor Aeroporto, que serviu de modelo para a unidade que funciona hoje no Setor Universitário.

Logo após a formatura, em 1974, prestou dois concursos públicos para o magistério, e passou em ambos: da Escola Técnica Federal de Goiás e da UCG, quando começou a sua carreira, pelo então I Ciclo de Estudos Gerais, passando a atuar só nessas duas instituições de ensino. Foi o primeiro concurso para contratação de professores que a universidade realizou.

Houve um intervalo de dois anos (1978 e 79), para fazer o mestrado em Estatísticas e Métodos Quantitativos na Universidade de Brasília, quando se mudou para a Capital Federal. Na época, passou em concurso para ser professor da UnB e lecionou nesse período. Mas os planos tiveram que ser mudados: a ETFG não o liberou para fazer a dissertação de mestrado e, com isso, depois de concluídos os créditos, teve de retornar a Goiânia. Conseguiu apenas o título de especialista.

Na ETFG ocupou as mais diversas funções, de professor a vice-diretor, passando pela Diretoria de Ensino, Coordenação da Supervisão Pedagógica e a Coordenação de Matemática.

Trajetória na PUC Goiás

Luiz Gonzaga sempre se dedicou ao magistério, com algumas rápidas passagens pela administração e pela representação classista na hoje PUC Goiás. Em 1981 foi eleito diretor do Departamento de Matemática e Física, cumprindo dois mandatos de dois anos. Na época, era elaborada uma lista tríplice, cabendo ao reitor a escolha.

Nunca se filiou a qualquer agremiação partidária, mas sempre teve atuação política, liderando seus colegas e se destacando. Seu estilo discreto, conciliador e a seriedade como sempre atuou serviram para um convite para ser o ‘tértius’ numa disputa entre as duas forças políticas que sempre dominaram a Associação dos Professores da Universidade Católica (APUC): o Partido dos Trabalhadores e o Partido Comunista do Brasil (PC do B). Com a sua escolha, conciliando os dois lados nessa briga, foi eleito para presidir a gestão 1996/98 da APUC e no período conseguiu três importantes feitos: acordos coletivos de trabalho, em conjunto com o Sindicato dos Professores de Goiás (Sinpro-GO), com algumas conquistas sociais, vantagens financeiras e ganhos reais no salário; dobrar o número de filiados à entidade, a partir de reuniões em todas as congregações; e os primeiros estudos para a criação de um Plano de Previdência Complementar para os professores, que chegou a ser discutido com a Reitoria, mas não levado adiante. Constatou-se que, na época, era elevada a média de idade dos professores e se tornava necessário criar uma opção de aposentadoria ao sistema oficial, que lhes assegurasse mais recursos financeiros para a sua manutenção. Chegou a contratar um especialista para elaborar um plano de Previdência Privada Complementar.

Em 2001 foi convidado pelo então grão chanceler, padre José Pereira de Maria, para assumir a então Vice-Reitoria Acadêmica da instituição, num período de transição, que exerceu por quase dois anos. Na época, teve condições de imprimir o seu estilo conciliador, conseguindo resultados positivos em sua atuação.

Na Prefeitura de Goiânia

Ele teve uma única experiência no setor público, no terceiro mandato do prefeito de Goiânia, professor Nion Albernaz (1996/2000). Convidado pela sua colega na PUC Goiás, professora Geralda Albernaz, então primeira dama da cidade e presidente da Fundação Municipal de Desenvolvimento Comunitário (Fumdec), assumiu a superintendência da instituição, responsável pelas ações sociais em Goiânia, e desempenhou com eficácia o seu trabalho. Função técnica, levou sua experiência para ajudar a melhor estruturar, funcionalmente, a Fumdec, dando-lhe condições para o melhor exercício de suas atividades, no auxílio a pessoas que mais necessitavam do apoio do poder público.

“Foi uma experiência rica e uma oportunidade de trabalhar com uma pessoa séria, dedicada, muito atuante e presente nessa área, a professora Geralda Albernaz, responsável por um período de grandes realizações, quando a Prefeitura de Goiânia teve uma atuação forte e eficaz no atendimento social”, disse. No período, ele conseguiu uma parceria consistente da Fumdec, por meio do Conselho Municipal de Assistência Social, que presidia, com a PUC Goiás, a partir do apoio da então secretária nacional de Assistência Social, a hoje senadora Lúcia Vânia, do PSDB. A parceria viabilizou recursos financeiros para programas sociais da Sociedade Goiana de Cultura, como o Instituto Dom Fernando, utilizados na usina de reciclagem de lixo, na Escola de Circo e na consolidação do Centro de Estudo e Pesquisa Aldeia Juvenil (CEPAJ), inclusive liberando técnicos para trabalhar no CEPAJ.

Vida sentimental

Em família: com o filho Luciano, a nora Graziela, o filho
Luiz Guilherme, a nora Alessandra e o neto Guiguinha,
o filho Daniel, a nora Waira, a filha caçula Gabriela, e a
mulher Cida, com os filhos Hugo e Larissa

Tranqüilo no falar, no agir e no andar, sem pressa para nada, sempre com um sorriso ao falar, Luiz Gonzaga teve três experiências conjugais.

A primeira, com a professora Rose Meire Ribeiro do Nascimento, que conheceu em Uberlândia e com quem se casou em 1971 em Brasília. Eles tiveram três filhos: Luiz Guilherme, zootecnista graduado pela PUC Goiás; Luciano, corretor; e Daniel, professor de Educação Física, todos casados, e que lhe deram dois netos.

Quando estava na Fumdec conheceu Juliana Cláudio Camilo Néri, com quem se casou em 1998 e que lhe deu a filha Gabriela, em 2000. A união durou mais três anos. A caçula, hoje, o faz lembrar os velhos tempos, ao levá-la para as diversas atividades, como cursos de dança, esportes etc.

O terceiro casamento, e atual, foi em 2003 com a advogada Maria Aparecida de Medeiros Vieira, que tem dois filhos: Hugo, médico, formado pela Universidade Federal de Minas Gerais; e Larissa, que faz o sexto ano do Curso de Medicina na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), SP.

Aposentadoria

Já aposentado pela ETFG e pelo INSS, Luiz Gonzaga se prepara para encerrar, em definitivo, a carreira no magistério e passar a cuidar de seu sítio, no vizinho município de Santo Antônio de Goiás, onde já passa todos os momentos disponíveis que tem. Ali, cuida do jardim, das plantações, dos pequenos animais e aves que tem, e leva uma vida tranqüila, com a qual todos sonham.

Ele se lembra de quando chegou à universidade, para estudar. Nessa época, a Rua 10 tinha asfalto até o córrego Botafogo, onde havia uma ponte de madeira. Era reitor o padre Cristóbal Álvares Garcia, e a Praça Universitária era um projeto, que se concretizaria nos anos seguintes.

“A universidade faz parte de minha vida”, afirma, para destacar que essa presença foi nos bons e nos maus momentos. Conforme relata, participou dos mais diversos momentos na instituição, primeiro como aluno, depois como professor, dirigente de entidade representativa dos professores e, por fim, como gestor, numa área vital para a instituição, sempre colhendo frutos positivos.

“Você só conhece uma pessoa quando ela passa por todas as funções”, ressalta, para resgatar as palavras do presidente do Sinpro-GO, Geraldo Santana, sobre sua participação na mesa de negociações dos dois lados: primeiro como representante dos docentes e, depois, representando a universidade, sempre com uma postura de equilíbrio e bom senso nas discussões. “É um fato raro”, lembra.

Por onde passa, só encontra amigos. O gerente Contábil e Financeiro da PUC Goiás, João Sobreira de Macedo, que o conhece desde que entrou na universidade, ao vê-lo, dá-lhe um abraço e faz a observação:

- O Luiz é uma relíquia.

sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

JEITO CABLOCO

Por Carla Lacerda
Fotos: Arquivo pessoal


Adevanir Ferreira Barbosa
Aquela colcha de retalhos que tu fizeste
Juntando pedaço em pedaço foi costurada
Serviu para nosso abrigo em nossa pobreza
Aquela colcha de retalhos está bem guardada.

Agora na vida rica em que estás viveeendo
Terás como agasalho colcha de cetim
Mas quando chegar o frio em teu corpo enfermo
Tu hás de lembrar da colcha e também de mimmm.

A melodia suave e a voz inconfundível da dupla sertaneja Cascatinha e Inhana,sucesso absoluto entre as décadas de 1950 e 1970 no Brasil, rompia o silêncio de Piracanjuba, município com vocação agropecuária do Sul goiano. O rádio de madeira Semp (atual Semp Toshiba) era a sensação do momento nas fazendas da região e conseguia reunir uma boa parcela da população em torno dele. Ainda moleque, com 8 anos, Adevanir Ferreira Barbosa se encantava com a novidade tecnológica, que atraía os vizinhos à sala de estar da sua família. “Parentes e amigos da roça se juntavam para ouvir as músicas e também a Voz do Brasil, o nosso Jornal Nacional”, brinca hoje o senhor de 59 anos, funcionário da Pontifícia Universidade Católica de Goiás desde 1985.

Mas, naquela época, seu Adevanir nem de longe sonhava como aqueles fins de tarde frutificariam em sua vida. Semente no coração, as músicas raízes encontraram solo fértil para se desenvolver na vida do menino de sorriso largo. A dureza da lida no campo era quebrada pelo embalo dos Sabiás do Sertão – codinome do casal Cascatinha e Inhana:

Meu cafezal em flor, quanta flor meu cafezal
Meu cafezal em flor, quanta flor meu cafezal
Ai menina, meu amor, minha flor do cafezal
Ai menina, meu amor, branca flor do cafezal

Ou pela sanfona de Caçula e Marinheiro:

Sei que na vida perdi
A minha felicidade,
Ficou somente amargura
Paixão, tristeza e saudade!
Lá no cantinho do céu
Sei que está me esperando
Aquele alguém que foi meu
Por quem eu vivo chorando!

O fato é que em pouco tempo não somente a enxada seria instrumento nas mãos de Adevanir. A voz rouca e a habilidade com o violão também se tornaram um diferencial na história de um dos porteiros mais simpáticos da Área 4 da PUC Goiás.

De volta à cidade natal

Foi em Picanjuba que o menino Adevanir descobriu o rádio. Mas foi quando retornou com a família para Morrinhos, sua cidade natal, após uma temporada em Goiânia para cursar o primário, que o jovem começou a cantar junto com o irmão Iron. “O pessoal começou a nos chamar para cantar em festas. E como a gente sempre gostou de música raiz, sertaneja, a gente ia”. No repertório, canções de Tonico e Tinoco, Tião Carreiro e Pardinho, Silveira e Silveirinha, Zico e Zeca, Liu e Léo, entre outros. “Mas era tudo só por diversão, por gosto mesmo. Nunca pensei em fazer disso uma profissão”.

E a labuta diária não dava mesmo tempo pro seu Adevanir.

- Pensa num homem que já puxou enxada! - comentou ele, durante uma sexta-feira de novembro ensolarada.

E eu pensei. Seu Adevanir estava diante de mim, com uniforme impecável, sapatos e meias pretas, relógio no pulso esquerdo, e uma atenção, uma educação, uma solicitude imensuráveis, e infelizmente, raras nos dias de hoje. A todos que passavam pelo portão da Pró-Reitoria de Extensão e Apoio Estudantil, ele cumprimentava, dava bom dia, atendia às solicitações, resolvia o que lhe era pedido.

- Sabe, Carla, eu não tenho muito estudo. Mas a educação é de berço. Eu peguei responsabilidade grande desde muito cedo.

Verdade. Com 5 anos, seu Adevanir capinava a roça. Aos 10, cuidava do pasto e da lavoura. Aos 13, comandava os peões que seu pai, Antônio Luiz Barbosa, contratava quando ficava responsável por uma alguma empreita na zona rural. Tocou gado. Tirou leite. Plantou arroz. Aprendeu, na prática, o que é viver em família.

- Sempre fomos muito unidos (Adevanir tem mais seis irmãos). Mudamos várias vezes de cidade, de fazenda, mas sempre juntos – eu, pai, mãe e irmãos. Se eu te falar... É uma coisa que não tem lógica.

- Pra você ter ideia: eu sou um dos mais novos e fui o último a casar, porque cuidava dos meus pais. Tinha medo de minha futura mulher não gostar deles – diz seu Adevanir.

- Mas dei sorte. Encontrei uma mulher boa. Nós combinamos que é uma beleza! – anuncia, sorrindo.


Seu Adevanir, com a esposa Rosilda Santos Barbosa

Em Goiânia

E foi na segunda vez que morou na capital do Estado, a partir de 1974, que seu Adevanir conquistou não só o coração de Rosilda, mas também um espaço no mercado de trabalho da já concorrida zona urbana goiana. Primeiro trabalhou no Colégio São Damiano, no Parque Ateneu, local onde conheceu a esposa. Depois numa empresa chamada Eletrocon.

- E aí sabe quando parece que Deus tem uma coisa boa pra você usufruir?

- Pois é – continua seu Adevanir. Um antigo diretor do Aldeia Juvenil, o professor Benedito, o Bené, pediu indicação para as irmãs do São Damiano de alguém que sabia plantar, cuidar de porco, enfim, de alguém que sabia das coisas da fazenda.

Nos anos 1980, o Aldeia Juvenil ficava no câmpus 2, área que hoje concentra os cursos de Zootecnia, Educação Física, Gestão Ambiental, além de alguns mestrados. O Aldeia foi criado a partir de uma iniciativa de um grupo de professores da Universidade Católica de Goiás, motivado pela situação do menor infrator e pelo compromisso de buscar soluções para o problema.

- As irmãs me indicaram. Fiquei três anos no Aldeia. Foi uma experiência muito boa, de poder ajudar quem precisa. Lá tinha uns “cablocos meio danados”, mas dá uma satisfação quando encontro alguns deles hoje, casados, trabalhando. Muitos me tinham como pai – recorda-se seu Adevanir.

E Deus continuou zelando da vida do jovem de sorriso largo. Durante sua temporada no Aldeia Juvenil surgiu um curso para ser segurança na universidade. Seu Adevanir fez, e, desde então, trabalhou em todas as áreas da hoje PUC Goiás. Há cerca de oito anos, está na Área 4, na entrada da Proex.

- A universidade é a minha segunda casa, minha segunda família.

Cantarolando

Seu Adevanir não fez do dom de cantar uma profissão, mas também não desperdiçou o talento.

- Tem que ver ele cantando. É uma beleza! – diz uma jovem ao subir as escadas rumo à Proex.

O reconhecimento já é público pelos corredores da PUC. Mas seu Adevanir é modesto.

- Não, não é assim não – tenta desvencilhar-se dos elogios.

A repórter decide tirar a prova dos nove.

- Canta um trechinho de uma música pra mim, seu Adevanir... Que música o senhor ouvia, o senhor gostava?

De que me adianta viver na cidade
Se a felicidade não me acompanhar
Adeus, paulistinha do meu coração
Lá pro meu sertão, eu quero voltar.

Só estes quatro versos de “Saudade da minha terra” foram mais do que suficientes para perceber que Seu Adevanir é bom mesmo de “gogó”. E, graças, a insistência do irmão José Ferreira, que hoje tem 71 anos, ele começou a usar o tempo livre para cantar.

Primeiro, no Jardim Bela Vista, bairro onde mora. “Reunimos com os vizinhos e amigos nos fins de tarde e começamos a cantar”, relata. De repente, o grupo começou a receber convites para tocar em festas de casamento e outros eventos. Já passaram por Bela Vista de Goiás, Hidrolândia, Piracanjuba, Pontalina, Jaraguá, Aparecida de Goiânia, entre outras cidades.


Seu Adevanir (o primeiro à esq.), com o grupo Tradição Sertaneja
E, em 2009, também por incentivo do irmão Zé, sanfoneiro, Adevanir e o grupo, já batizado de “Tradição Setaneja”, gravaram um CD.

- Começou como uma brincadeira. O Zé tinha medo de morrer e de a gente não deixar nada para a família, nenhuma lembrança. Daí, a gente reuniu o povo, demos uma passada nas músicas e gravamos, de uma vez, numa gravadora do Novo Mundo. Eu nunca tinha entrado num estúdio.

Foram feitas 500 cópias do CD “Cavalo Preto – Chalana”. Além das músicas de abertura, instrumentais, que emprestam o nome ao álbum, outras 14 faixas foram gravadas. Todas elas, de raízes. Tem “Franguinho na Panela”, “Não tenho Piedade”, “Telegrama”, entre outras.

- A gente nunca imaginava gravar um CD -, comenta seu Adevanir, que também tem outros feitos artísticos – ele participa do grupo de Folia de Reis da PUC, que, inclusive, tem apresentações marcadas para os próximos dias 9, 10 e 11 de dezembro.

O senhor de sorriso largo continua:

- Parece que tudo tem um limite, mas com a música é diferente. Ela é infinita. O grupo surgiu, foi crescendo meio desproporcionalmente...

Ainda bem, seu Adevanir. Hoje, nossos olhos e ouvidos agradecem o privilégio de poder testemunhar e escutar uma história tão bonita. Certamente daria uma bela letra de uma moda sertaneja.